A água entra-me pela alma adentro, preenche os vazios deixados por um fantasma antigo, purifica-me.
Fecho os olhos e sinto-me acariciada; sinto-me no meu elemento. Suavemente, uma mão invisível acaricia os meus cabelos e torno-me ondulante como uma alga, harmoniosa como uma corrente marinha. Sou compelida a permanecer debaixo de água por aquela mão que, docemente, me empurra para o fundo da banheira e para o fundo de mim.
Ouço, ao fundo, a voz-guia que me canta para fora de mim… e vejo-me do alto, como se o meu corpo não fosse mais que uma pedra atirada para um lago.
Olho o meu reflexo, mas não me reconheço na imagem que as águas que me sugam para o Nada me devolvem. A mão incorpórea leva-me para longe, e o meu invólucro não é mais que um pontinho nas imensas águas de um rio.
Estiro-me até sentir que o mais longínquo ponto de mim toca o infinito… e sei que a mão invisível pinta no meu ventre uma lua cheia. Azul.
Sobre cada pedacinho de mim, uma palavra desconhecida, uma palavra de fogo que me faz arder de impaciência. Nas paredes, sombras dançam lentamente ao som da voz-guia que me (en) canta para fora, sempre para fora…
De súbito, a voz cala-se. Abro os olhos de rompante e vejo a água transbordante que se espalha pelo chão. A minha concha, vazia, jaz no fundo da banheira e deixa-se espalhar juntamente com o líquido. Pestanejo. Sou líquida.
Ergo o ventre, num espasmo, e coloco as mãos sobre a ferida invisível da lua azul pintada a fogo em mim.
Levanto-me, escorrendo, e navego em direcção ao porto de mim.
2 comentários:
FAntástico...
A melodia do teu canto reverbera no tempo
A lonjura é o momento do abraço
O teu sorriso chegou ao meu silêncio
Solta palavra doce no espaço
Uma torrente de emoções espera-te
Bom domingo
Doce beijo
Uma envolvência sensual, umas palavras que nos enlevam aos sons de uma paixão presa no topo da nossa memória.
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