segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

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Deito-me na banheira e deixo-me inundar pela água que corre dos canos com uma violência inusitada.
A água entra-me pela alma adentro, preenche os vazios deixados por um fantasma antigo, purifica-me.
Fecho os olhos e sinto-me acariciada; sinto-me no meu elemento. Suavemente, uma mão invisível acaricia os meus cabelos e torno-me ondulante como uma alga, harmoniosa como uma corrente marinha. Sou compelida a permanecer debaixo de água por aquela mão que, docemente, me empurra para o fundo da banheira e para o fundo de mim.
Ouço, ao fundo, a voz-guia que me canta para fora de mim… e vejo-me do alto, como se o meu corpo não fosse mais que uma pedra atirada para um lago.
Olho o meu reflexo, mas não me reconheço na imagem que as águas que me sugam para o Nada me devolvem. A mão incorpórea leva-me para longe, e o meu invólucro não é mais que um pontinho nas imensas águas de um rio.

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Estiro-me até sentir que o mais longínquo ponto de mim toca o infinito… e sei que a mão invisível pinta no meu ventre uma lua cheia. Azul.
Sobre cada pedacinho de mim, uma palavra desconhecida, uma palavra de fogo que me faz arder de impaciência. Nas paredes, sombras dançam lentamente ao som da voz-guia que me (en) canta para fora, sempre para fora…
De súbito, a voz cala-se. Abro os olhos de rompante e vejo a água transbordante que se espalha pelo chão. A minha concha, vazia, jaz no fundo da banheira e deixa-se espalhar juntamente com o líquido. Pestanejo. Sou líquida.
Ergo o ventre, num espasmo, e coloco as mãos sobre a ferida invisível da lua azul pintada a fogo em mim.
Levanto-me, escorrendo, e navego em direcção ao porto de mim.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Insonia




A minha dor é a droga
Que me provoca.
É o álcool
Que os meus sentidos inflama
E os meus fantasmas evoca,
É tudo o que me inebria
E todos choca.
É a minha dor que oferece pedaços da minha alma,
Que a corrompe e desperdiça,
Que o meu corpo corrói
E por dentro me destrói.
É o vício que me inspira
Tudo me tira e muito me devolve,
É o sexo da mente, o amor da vida.
É uma loucura evidente
Que me expande a mente
Naturalmente.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

De volta ao fundo do poço

Poderia falar dos sonhos, das cores, de como a minha cidade mudou…Poderia falar do medo, do meu desejo, do meu amor… Poderia ate falar da tarde que cai, que aos poucos deixa ver no céu, a lua solitária e desnuda…

Poderia…

Reconheço-me nos vazios excessos do consumo que derramam cores pelas pedras do passeio; tenho a sensação de que a cidade passa por mim adormecida; trago comigo um aperto no coração e a sensação de que o estômago me sobe a boca. Esgoto-me em drogas, para sarar a grande ferida, aqueço os ouvidos com uma canção rouca.
Denoto que a lua esta cheia, mas esta noite… ela oferece-me a lembrança, a revolta… um grito de dor que vem… Aaahhhhhhhhhhhhhhhhh …
Hoje voltei ao fundo poço… e levo-te a ti que me lês e absorves minhas palavras...

Num mês de Junho quente como há muito não se via em Portugal, ano 2004:

(...)

Rezo por mim própria, pois sei que não o posso esconder por muito mais. Escondo a minha cara envergonhada e transvazo de angústia e pesar. Não há mais nada a negar nem a defender. A desolação esfumou a esperança que se entretinha a assomar por entre as caras dos fantasmas dos meus medos. Agora quem me vai segurar? Não há nada que eu possa fazer que não o tenha já feito, nada que eu possa ver, apenas presenciar enquanto tudo se desmorona. Ninguém para me dizer o que fazer, isto não tem um fim se eu não compreender que não posso retornar a fazê-lo. Não há palavras que me saiam, não há uma verdade que eu consiga ver. Resta-me deixar isto acabar, sabendo em consciência que não posso refazer o que foi desfeito. Sabendo que não há reinicio. Sabendo que não há nada à minha espera do outro lado.

(...)

O mundo é o meu caixote de lixo, a minha poça de lama. A minha banheira de medo e mentira. Há um sonho dentro de outro sonho que não me deixa dormir quando adormeço. Aqui estou sozinha quando estás comigo. Sou o meu próprio deus, juiz e carrasco.

(…)

Porque não decides por mim? Porque não vens a mim? Deixa-te enlear pelos meus braços, beijar pela minha boca, tocar pelos meus cabelos e embalar pela minha voz. Dorme bebé, estás a salvo aqui, dentro do círculo de luz, dentro do Sol que amanhece, dentro da minha infinita piedade e dormência. Dentro de toda a demência. Lento, ainda mais lento, o meu coração relaxa e inunda o frágil corpo de morfina e …

(…)

Mas será que não há verdadeiro silêncio neste mundo? Será que só me restam os ensurdecedores silêncios abafados de átrio do hospital, de uma imensidão de estranhos que se reúne ao acaso para ver este paranóico espectáculo? Antes queria estar só… porque não me deixam estar só!!! …

- Doutor venha depressa. Ela está outra vez a revirar os olhos e com convulsões!
- Enfermeira, mostre-me a ficha da paciente por favor… Hum, aumentem a dose de Neotropazine em 10 mg/h. Mantenha-me informado do estado da paciente.
- Sim Doutor, assim o farei, fique descansado.

(…)

Vogo num mar sem ondas, apenas uma ligeira brisa na minha face rosada pelo pálido luar. A noite engole-me e leva-me com ela para longe, para o outro lado da Lua. Escuto o som do mar e do espaço que me envolve. Sinto a água a respingar nos meus dedos à medida que os arrasto pela superfície. Porque estou aqui? Tão distante de mim mesma, o meu coração está tão triste… O que faço aqui? Porque me sinto tão abandonada..? Porque me ardem as lágrimas que escorrem dos meus olhos feridos? O que faço aqui?

(…)

Um poder maior saberá o que foi e o que será de mim. Espero pacientemente e reflicto no que isto significa para mim. Nunca ninguém saberá de mim, só eu sei o que é estar tão só. O fim estará próximo ou a uma eternidade de distância? …. Aaahhh….

(…)

Lembro-me de ti, antes do dia que me
marcou. Sonho contigo a ser criança e a brincar, a andar descalço pela relva e a apanhar as borboletas com o teu chapéu. Sonho que sorrias para mim e me enviavas beijos pelo ar. Sonho que eras lindo e eu era feliz.

(…)

Não o faças, por favor. Não fiques assim triste e doente. Não olhes para mim com os olhos vazios de fé e vontade de viver. E dar-te-ei a fé e a razão, farei com que te sintas mais brilhante do que o Sol. Lembrar-te-ei que és especial, que és único e valioso. Não me deixes aqui sozinha, fica comigo ou leva-me contigo.

(…)

Tu nasceste e eu amei-te mais do que a mim própria. Lembrar-me-ei sempre da tua cara, da tua pele, do teu amor que me enchia de força e vontade de viver… para sempre! Amo-te meu bebé, amo-te tanto que jamais conseguirei voltar a sentir seja o que for, a não ser dor e eterna saudade. Nada mais há para mim, nada mais me prende. Quero ir para junto de ti e ficar contigo, de mãos dadas a vogar no infinito.

(…)

- Doutor, tem que vir já! As convulsões estão cada vez piores e os gritos são de enlouquecer. Acho que ela está a morrer de desespero!
- Pobre coitada. Ter perdido o filho deixou-a profundamente traumatizada. Aumentou a dose de Neotropazine como lhe disse?


A ti, Guilherme...